segunda-feira, 23 de setembro de 2013

E a enfermagem?



Sempre me perguntava como seria ser enfermeira em outro país. Talvez esse tema não tenha a atenção de muita gente por aqui, afinal, qual a porcentagem de gente no mundo que quer saber o papel da enfermagem na Suíça né.... Mas é o mundo que eu vivi lá no Brasil e que vivo agora aqui.

Pra começar que para atuar como enfermeira no Brasil, é preciso cursar uma universidade por quatro anos. Nos primeiros anos, mais teoria, nos últimos anos, mais prática. Não só em uma área, em várias: saúde do adulto, da mulher, criança, idoso, saúde pública, e assim vai. Terminamos a graduação com uma visão geral da saúde em seus diversos segmentos. Além disso fomos muito treinados para fazer pesquisas na área de saúde, elaborar artigos científicos por exemplo. Na área hospitalar, somos capacitados a elaborar e prescrever um plano de cuidados de enfermagem. Não acho de forma alguma que estamos subordinados ao médico. Temos respaldo e autonomia para realizar nosso trabalho e creio que somos um time multidisciplinar e que se complementa. Enfim, a gama de opções de trabalho para um enfermeiro é enorme. Essa é a minha experiência pessoal no campo de formação de enfermeiros, na faculdade que eu fiz. Sei também que existem muitos cursos de enfermagem que deixam a desejar. Nem preciso falar da vergonha de ouvir com certa frequência notícias de erros absurdos que acabam por tirar a vida de um paciente. Mas isso também já é outro assunto e muito mais complexo, que envolve além da formação, condições de trabalho.

E como é a coisa na Suíça... Aqui enfermagem não é nível universitário. Eles estudam três anos, sendo que, bem parecido no Brasil, no último ano eles estão mais no estágio do que em sala de aula. Porém, já no último ano, eles recebem um salário de estágiário e fazem parte da escala e dos turnos de trabalho.Os estágios deles não são em todas as áreas. Por exemplo, lá no setor que estou, tem uma estagiária do primeiro ano, que ficará conosco até o final do terceiro ano. Nesse ponto, prefiro a formação brasileira, mais generalista e com a visão do todo. Senão, como se decidir se você realmente gosta e quer trabalhar com adulto ou criança, por exemplo?

Não sei como é a formação deles, mas acho que eles ainda são muito mais pautados num modelo biomédico, naquela coisa de saúde e doença do que ver o ser humano como um todo, por exemplo, na esfera social. Pelo que já vivenciei também, há uma certa autonomia, mas ainda muito ligados ao médico. Não há saúde pública por aqui. Sendo assim, a maioria dos enfermeiros estão inseridos nos hospitais e asilos. O leque de opções aqui é mais fechado. 

As escalas são um negócio muito louco! Aliás, depois de conversar com os colegas do curso, acho que só no Brasil temos o esquema de  6x1 ou 12x36. Aqui, enfermeiro trabalha 8h e 24 min (isso mesmo, 24 min) por dia e tem duas folgas na semana. Nada de 6h diárias. O que quer dizer que os horários também são malucos. Basicamente há três turnos: das 7h às 16h, das 13h às 22h e das 21:30 às 7:30h. E não há turno fixo. Eu tenho que trabalhar em todos esses turnos. Não gosto e nem me acostumei muito com isso, prefiro ter uma rotina estabelecida. E nada de dois empregos, como no Brasil né! Normalmente, se trabalha dois finais de semana (sábado e domingo) e folga dois. O que não é ruim não. No Brasil, normalmente era só um final de semana livre.

Férias também é um negócio bom: 25 dias úteis (úteis minha gente!), e não precisa ser necessariamente tirada em duas partes. Se eu quiser uma sexta de férias por exemplo, eu posso. Depois mais uma semana em outro mês, tudo bem também. Essa flexibilidade eu gosto :-)

Outro ponto bom aqui é que acho a enfermagem menos (ou nada) futriqueira. O pessoal se dá bem, nunca percebi muita fofoca e se ajuda bastante também. Sempre tem uma pausa junto com os colegas e no final do turno uma mini reunião pra dar um feedback do dia. Os pacientes aqui dão uma "caixinha" na alta e o dinheiro vai para um cofrinho do time (ó só como já estou 'alemanizando' as palavras hahaha, quis dizer equipe), que é usado para fazer um café, comprar algo pra todos. Achei isso mega interessante, uma vez que nos aproxima mais.

Tô aprendendo também a ver a profissão como um meio de sobreviver e não viver pelo trabalho. Eu acho que europeu no geral é assim. Nada de levar trabalho ou preocupações para casa. Acabou seu turno, hora de descansar. Gosto disso, dessa coisa de prezar pela qualidade de vida.

Aos poucos e com o tempo, estou aprendendo a ter e atuar com outra visão de enfermeira. Não sei ainda o que mais agrada. Talvez as duas enfermagens se complementem!

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

De volta ao cafofo



Cara.... A última vez que estive por aqui foi em abril, e eu sei, abandonei completamente o blog. Mas muita coisa ao mesmo tempo, principalmente esse tempo da validação do diploma e todo o cansaço me fizeram esquecer daqui por um tempo e até mesmo desanimar pra escrever. Muita, muita coisa aconteceu nesses cinco meses, e quero, aos poucos, deixar registrado aqui tudinho, afinal de contas, é o que faço aqui, registrar minha vida, pensamentos... E seria uma pena pular essa fase toda e voltar aqui escrevendo como se esse tempo não tivesse acontecido.

Vou recomeçar aqui com o principal motivo pelo qual parei de escrever: o processo todo de revalidar o diploma. Não foi um tempo fácil e por várias vezes me arrependi no percurso de querer tanto voltar a trabalhar como enfermeira. Mas quem disse que seria fácil, né?!
Comecei o processo de revalidação do diploma em meados de janeiro, com o curso que eu teria que fazer, que se chamava "Kultur Pflege Kultur", onde encontrei enfermeiros de vários lugares do mundo com o mesmo objetivo que o meu. Diferentes histórias, culturas, forma de trabalho. Logo depois, em fevereiro, comecei o estágio no hospital, que teria duração de seis meses. No estágio, eu era uma "enfermeira em formação", apesar de ter feito praticamente tudo que uma enfermeira faz.

Esse tempo foi bom e ao mesmo tempo difícil para mim. Conheci muita coisa diferente, muita gente diferente, inclusive mais da cultura e dia a dia dos suíços, porque até então, meu contato com suíço não era tão grande assim. Ainda quero escrever das diferenças entre os profissionais da enfermagem no Brasil e na Suíça. 

Mas confesso que foi um baque grande no meu ego, e digo isso sem vergonha, ter que dar esse breque na carreira e meio que voltar pra trás. Sempre gostei muito de estudar e sempre achei que fui uma boa profissional no Brasil, buscava sempre estar atualizada, era participativa e mesmo sendo meio tímida, falava muito com meus colegas de trabalho e com os pacientes. Aqui o negócio já começou meio diferente, primeiro lá no curso. Eu na verdade revi muita coisa da qual já tinha estudado no Brasil, tirando algumas coisas que são usadas aqui na Europa, mais especificamente na parte germânica (Alemanha, Suíça e Áustria). Mas tinha a sensação de que algumas professoras não nos tratavam como colega de profissão e sim elas como detentoras do conhecimento e nós como alunos que estavam ali pra aprender o que era enfermagem. Sentia às vezes um ar de superioridade. Por diversas vezes, conversei com diferentes colegas sobre isso e eles também tinham essa sensação. Isso me chateou bastante, afinal a grande maioria ali também tinha estudado muito. Tiveram dias que tinha vontade de sair da sala de aula, ora porque não queria mais escutar nada em alemão, ora porque não conseguia me expressar como em português. Mas cheguei até o final. Apresentei um trabalho de conclusão para duas professoras e todos os meus colegas, respondi a algumas perguntas e passei com um ótimo resultado.

Momentos antes de apresentar o trabalho

Durante a apresentação...

E as perguntas...
 

Do outro lado, tinha o estágio. Fui bem recebida no setor que trabalhei, e sempre foram simpáticos comigo. A maioria dos meus colegas eram suíços e alguns alemães. Durante todo o tempo, porém, senti uma dificuldade de integração grande, de me sentir parte do grupo mesmo. Eles falavam suíço alemão muito rápido entre eles, e eu até entendia, mas não conseguia falar, acho que meu raciocíonio é mais lento. Então sempre escutava, mas pouco falava. Um ou outro às vezes me perguntou o porquê de eu estar aqui, diferente do Brasil, que quando chega um estrangeiro a gente até sufoca o coitado de tanta pergunta. Enfim, me sentia deslocada. Alguns não gostavam de falar hochdeutsch e eu até entendo, afinal estão no país deles e devem falar como eles estão acostumados. Mas por algumas vezes escutei um ou outro falando "ah, tô cansado de falar hochdeutsch" e eu tinha o sentimento de estar ali atrapalhando, embora pudesse ser só um comentário bobo.

Enfim.... Por diversas vezes chorei, tive vontade de voltar pro Brasil, pensei em desistir. Tive saudade do meu trabalho lá, dos meus amigos, da família. Mas já que tinha começado, não iria desistir. E no final das contas, tinha que tirar algo bom de tudo isso. Apesar dessa minha relação de amor e ódio com o alemão, pude ver que sou capaz sim, embora ainda com restrições na fala, de atuar como enfermeira. Aprendi outra cultura de trabalho, outra forma de ver as coisas. Aprendi com meus colegas de curso tanta coisa legal. Aprendi mais da cultura suíça, dos relacionamentos, mais da língua e até do bendito dialeto.

Passar por esse tempo não foi de forma alguma fácil, mas eu creio que é nesses tempos que somos treinados a sermos mais fortes. E eu acredito que saí desse processo todo mais fortalecida e confiante. E no final do estágio do hospital, recebi uma proposta de emprego, nesse mesmo hospital, para um outro setor sem nem pedir. Pensei e pensei antes de falar sim, mas já que cheguei até aqui, por que não ir um pouco mais além?

Então aqui estou eu, depois de dois anos e meio, trabalhando como enfermeira num hospital :-)